Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

O museu de volta para o futuro

                                                        O museu de volta para o futuro


Carlos Cartaxo


A atividade acadêmica de doutoramento é um patamar difícil que exige muita energia e recursos financeiros; mas, necessário na formação de um professor pesquisador. Pois bem, como profissional da educação, a pós-graduação foi uma das metas no meu projeto de vida. O meu doutorado foi na Escola de Belas Artes da Universidade de Barcelona - UB, Espanha. Para cursá-lo tive algumas dificuldades, por exemplo, a UB é pública, porém, paga, o que exigiu recursos extras porque cursei o doutorado sem bolsa de estudo. Outra dificuldade foi o fato do idioma da UB ser o catalão. Em vários momentos precisei me comunicar em catalão; outras em espanhol; outras em inglês. As atividades curriculares também exigiam leituras em vários idiomas que eu não tinha domínio. Os obstáculos foram muitos, o que exigiu muito esforço para a produção de artigos; e o resultado foi a produção de um romance como tese e o sucesso do doutoramento con laude acadêmica.

 

Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. Foto: Carlos Cartaxo


Dentre os artigos gerados no processo de trabalho, no doutorado, há um que merece um debate permanente; me refiro ao artigo “O museu de volta para o futuro” publicado na revista Conceitos. Embora o ideal seja ler o artigo por completo, Abaixo transcrevo fragmentos dessa escrita para reavivar a importância de uma política cultural comprometida com a arte, a ciência e a história.

“A minha primeira ida a um museu foi na infância. Conheci o “meu” primeiro museu na cidade de Picuí no Seridó paraibano. Infelizmente esse museu já não existe mais, porém lembro perfeitamente a fachada do prédio e as peças do acervo. Tendo essa boa recordação como parte do panorama formador da minha cultura e, certamente, de muitas outras pessoas, me pergunto por que será que esse museu foi fechado? Como consequência de uma possível resposta, surge outra questão: por que os museus paraibanos são tão pouco frequentados? 

Diante dessas dúvidas me surge uma proposta, aparentemente absurda, que beira ao surrealismo, mas que deveria ser comum, por exemplo, convidarmos alguém para visitar, passear ou até namorar em um museu, já que este é um espaço que suscita reflexões, comentários, discussões e admiração. Essa visão nostálgica me faz ver o museu como um lugar de encontros e despedidas. Encontro porque lá se encontra o passado e, em alguns, o presente. Despedida porque de lá podemos sair para o futuro.

João Pessoa por ser uma cidade com um pouco mais de quatro séculos, tem história que comporta um museu etnográfico, um museu sacro, um museu de arte contemporânea, um museu de arte popular, um museu da criança, um museu da música, um museu de artes cênicas, enfim, diferentes tipos de museus que podem e devem traduzir a trajetória social, política e cultural do/as paraibano/as e das pessoas que aqui fizeram e fazem história. Não obstante essa condição favorável, como se explica a terceira cidade mais antiga do Brasil não ter um museu? Vou mais longe, não ter uma política cultural, concreta e eficaz, voltada para o seu patrimônio histórico?

Contrariamente a essa realidade, em muitas das grandes cidades do mundo, parte do turismo se sustenta em função dos museus que lá existem. Esses museus não são armazéns que estocam objetos. A sua essência não está nas peças existentes. Eles são espaços culturais que conservam memórias e organizam significados de alguma forma sensorial. Essas cidades se preocupam e investem no que se chama museologia sensorial. Essa leitura de museu, de alguma forma, se aproxima da pós-modernidade, pela referência que tem quanto à questão de classe social, raça, gênero e políticas de correções e revisões (Padró, 2004.). Essa visão conceitual que está sempre passando por revisão, faz dos museus um ambiente de prazer, de descobertas e de aprendizagem. 

Como consequência dessa nova compreensão de gestão museológica, essas instituições se tornam auto-sustentáveis economicamente, chegando ao ponto de se formarem filas enormes para se acessar esses prédios monumentais, patrimônio da nossa história cultural. Devido à adequada importância que se fomenta nessas células culturais, alguns museus, no contexto de análises econômicas, chegam a ter mais importância turística que cultural. Apesar dessa leitura museológica, quando pensamos em museu devemos também pensar em um discurso museológico e como este se tornará acessível a um público amplo. Esse pensamento resulta em um trabalho profundo, dinâmico e crítico, que parte de uma política museística clara, objetiva e bem definida.


Compreendendo o papel do museu


Os museus, por muito tempo, foram considerados depósitos de coisas velhas, assim como chegaram a ser sinônimo de passado. Inspirado no filme De volta para o futuro, de Steven Spilberg, hoje, compreendemos que o museu tem novos conceitos que o coloca de volta para o futuro, ou seja, se alicerça na história do passado, percebendo o presente, mas com um foco no futuro. 

Por muitos anos a aristocracia e, posteriormente, a burguesia fizeram dos museus espaços exibicionistas de suas conquistas e seu poder. A modernidade deu continuidade a essa política, abriu os museus ao público e passou a cobrar entrada, capitalizando essas instituições culturais, tornando-as, em muitos casos, em verdadeiras fontes de lucro. 

O conceito de museu é plural e dinâmico, por isso tem sofrido mudanças a partir de estudos que definem e redefinem os fatores inerentes à estrutura e funcionamento desses espaços. Essa visão tem acontecido porque os espaços museológicos estão sendo repensados cotidianamente de forma intensa, o que os tornam instituições que oferecem infinitas possibilidades, dentre elas o direcionamento à educação e, em especial, ao ensino de arte.

Os estudos museológicos têm se desenvolvido em várias áreas de conhecimento. Não obstante essa amplitude, enfatizamos aqui apenas dois olhares: o econômico, que é aquele que torna o museu uma instituição moderna com base em uma economia de mercado; e o humanista, em que o museu é uma célula cultural essencial à formação do ser humano. O primeiro tem como foco a conservação de sua coleção de obra de arte e abre a porta à espera do público. O segundo se volta para o público e abre a porta para ir ao encontro deste. 

Diante de uma análise e com base nos dois enfoques citados, chega-se a ilação de que na cidade de João Pessoa não há museus. As instituições culturais que existem na capital paraibana com perfil de museu são: o Centro Cultural São Francisco, o Museu José Lins do Rego (que de fato é um memorial), a Pinacoteca da Universidade Federal da Paraíba (inoperante), a Fundação Casa de José Américo de Almeida (memorial), O Museu de fotografia Walfredo Rodriguez (galeria) e o acervo tímido, mas importantíssimo, do Núcleo de Pesquisa Popular da UFPB – NUPPO (inoperante). Todas essas instituições têm o perfil que se enquadra como museu, pois nos seus acervos têm peças e obras importantes, entretanto, partindo-se de uma análise crítica, elas não correspondem à realidade do que podemos entender como sendo um museu ou do que se propõe ser um museu.


Centro Cultural São Francisco. Foto Carlos Cartaxo


Essa compreensão está baseada no fato de que não há, nessas instituições citadas, uma prática, concomitante a um discurso contextualizado, que seja facilitadora do entorno do seu acervo. As peças estão expostas como se fossem desgarradas no tempo e no espaço. Isso se deve a falta de uma política museística gerida por profissionais qualificados na área e por falta de ações como: pesquisa, visitas pedagógicas, visitas teatralizadas, visitas de grupos, incluindo visitas para famílias, terceira idade, adolescentes e infantis, oficinas, conferências, mesas redondas e jornadas noturnas, dentre outras atividades possíveis. 

Após essa análise, resta-nos colocar as instituições museísticas pessoenses em um patamar distante do que deve ser de fato um museu. Se partirmos para manter essas instituições culturais como sendo museu, temos que enquadrá-las na concepção formalista de museu (Padró, 2004), cuja base é a gestão amadora e conservadora com ênfase no patrimônio. Além da gestão não profissional, esses museus têm uma concepção tradicional. Logo, para que estes funcionem eficientemente cumprindo suas funções museísticas devem sofrer uma ruptura radical e crítica, ao ponto de não se isolarem, tornando-se ilhas perante os acontecimentos sociais, culturais e educativos.”

Hoje, o quadro de instituições museísticas é outro; além dos já citados, listamos o Museu da Cidade de João Pessoa, Museu Casa de Cultura Hermano José, Museu do Artesanato Paraibano, Museu e Cripta de Epitácio Pessoa, Museu da Polícia Militar, Museu de Esculturas Jurandir Maciel e Museu de História Natural da Bica. Muitas dessas instituições não têm o impacto cultural e social pela simples ilação de que há necessidade de uma política cultural voltada para essas instituições aguerridas.



Referências


PADRÓ, Carla. Historias de museos, historias de prácticas educativas. In V Jornada d´història de l´educació artística. Barcelona: Facultat de Belles arts, universitat de Barcelona, 2004. 

Revista Conceitos. ADUFPB. ISSN 1519-7204.Ano IX. N 16, julho 2011. p26. https://www.adufpb.org.br/site/wp-content/uploads/2011/11/REVISTA-CONCEITOS-16.pdf


sábado, 6 de janeiro de 2024

Inteligência artificial no contexto da cultura cigana

                                          Inteligência artificial no contexto da cultura cigana


Carlos Cartaxo


Na minha infância existia uma informação que costuma apavorar a todos quando era veiculada: os ciganos já estão vindo próximos daqui! Essa era a notícia que me apavorava porque tinha uma carga subliminar de perigo. Os adultos trancavam e escondiam seus pertences de valores. As famílias prendiam suas filhas jovens. As crianças eram protegidas para não serem sequestradas. As notícias chegavam com uma carga de informação ameaçadora. Em contrapartida, a polícia nada fazia mesmo sabendo do perigo iminente que se aproximava. Essa informação ficou gravada no inconsciente coletivo com o pior estigma que as comunidades ciganas poderiam representar. Pela lógica cultural difundida, cigano era sinônimo de ladrão! Era como se uma trupe nômade de ladrões perambulavam livremente pelo mundo afora.

Cresci sem entender o porquê dessa lógica acusatória não ser aplicada aos maus empresários, médicos, advogados, enfim a todos os segmentos profissionais que deixavam de lado a ética e agiam com o fim de enriquecer de forma ilícita. A questão não é fazer paralelo de maus segmentos sociais; mas, fazer uma análise comparativa para se perceber que por trás de todo procedimento inescrupuloso há um arcabouço falho quanto a ética, os valores e o respeito. Isso vale para os profissionais liberais, públicos e para os sujeitos  étnicos também.

Cresci com essa débil informação. Só com os estudos acadêmicos é que despertei para as composições culturais e seus valores étnicos, o que corresponde a ter cautela, muita cautela quanto se afirma de forma leviana que o povo é preguiçoso, larápio, inculto etc. Este artigo segue a lógica da pesquisa de Grassi porque ele argumenta na sua dissertação que 

serão empregados conceitos como hibridismo, identidade nacional e eurocentrismo que juntos formarão os pilares de sustentação desta pesquisa e que também contribuirão efetivamente para transparecer porque ainda hoje existe a perpetuação de uma linguagem preconceituosa e difamatória enraizada no imaginário dos não ciganos em oposição aos ciganos (GIASSI, p.8, 2014). 


Após o resgate da minha memória cultural, me deparo com a realidade da IA - Inteligência Artificial fazendo parte do nosso cotidiano demonstrando que pode tratar as culturas tradicionais como o da etnia cigana, negra e indígena, de diversas forma com abordagens surpreendentes, de maneira que a análise crítica se faz necessária para se coibir desvios e abusos preconceituosos e xenófobos.   

Os recursos técnicos da inteligência Artificial que conhecemos hoje, teve seu pontapé inicial, em 1956, quando da realização do evento O Projeto de Pesquisa de Verão de Dartmouth sobre Inteligência Artificial que abordou essa área do conhecimento como sendo um novo campo de estudo (DARTMOUTH, 2024). Quase sete décadas se passaram e o quadro, na atualidade, se configura com um avanço tecnológico surpreendente nesse campo de estudo; todavia, o tratamento dado às diferenças econômicas, sociais e culturais continuam a estender-se com intolerância e desrespeito humano. Então, eis a questão: qual a orientação social, política e científica a IA tomará?


Ciganos Calon, Sousa, Paraíba, Brasil. 


Migração

Nunca é demais lembrar que a palavra etnia deriva do grego ethnis, cujo significado é povo; por conseguinte se refere a um grupo de pessoas cuja identidade é constituída por características que têm em comum a história, cultura, língua, valores éticos e morais, gastronomia, elementos estéticos, atividades lúdicas e similitudes físicas. Com essa definição convergimos o artigo para a etnia cigana. 

A migração é um fluxo de seres vivos que se deslocam com o fim de encontrar melhores condições de sobrevivência. A migração faz parte da vida humana desde os primórdios da civilização. Estudos demonstram que os ciganos migraram da Ásia para Europa e, posteriormente, para as Américas. Esse fluxo foi resultado de séculos de circulação nômade que construiu laços e traços que resultaram no desenho etnico que nos chegou da cultura cigana. Como completo do livro de Melo Morais Filho, O editor, Eduardo Rodrigues Vianna, esclarece, em pé de página, que 

Há três grandes ramos do povo cigano presentes no Brasil: rom, proveniente do leste e do norte da Europa; sinti, cuja origem encontra-se principalmente na Europa Central; e calom, originário de Espanha e Portugal. Nesta edição optamos pelo termo calom, terminado em m, dado pelos dicionários da língua portuguesa que utilizamos para trabalhar, em lugar de calon, tal como consta da grafia do dialeto calom, bastante utilizado por estudiosos da temática cigana (FILHO, p. 9, 2018). 

Melo Morais Filho esclarece a pluralidade das denominações ciganas no mundo quando afirmar que 


Os ciganos, hordas sem culto, sem asilo e sem lar, rodeando todas as civilizações mas sempre fora delas, chamados na Inglaterra gypsies, na Alemanha zigueuners, na Espanha gitanos, na Itália zigari, na Turquia çingenes, na França bohemiens, e no Brasil, por eles mesmos, calons, 1 têm em sua poesia alguma coisa que deslumbra como as labaredas refletidas da trípode das sibilas,2 e de profundamente impressionável como uma dor eterna (MORAIS FILHO, p. 9, 2018).


O editor, Eduardo Rodrigues Vianna, também afirma que 


Na atualidade, a noção de que o povo cigano tem uma origem comum na Índia parece ser a mais aceita. Em 1971 celebrou-se na Inglaterra o primeiro Congresso Mundial Romani; na ocasião adotou-se a bandeira com a tarja superior azul, representando o céu, a tarja inferior, verde, representando a terra, e a roda vermelha com 24 raios, representando a Índia (MORAIS FILHO, p. 10, 2018).


A preocupação quanto ao uso politicamente incorreto da IA no que concerne ao tema em debate, no caso migração, faz todo sentido porque têm antecedentes que nos alertam sobre as possibilidade indevidas, de agressão a etnia cigana, que merecem uma abordagem crítica. Mas uma vez recorro ao editor, Eduardo Rodrigues Vianna, que afirma:

 

Mais tarde, no séc. XX, o estigma do cigano como um invasor, e como um ente nocivo à nacionalidade, apareceria na Alemanha governada pelos nazistas. Na opinião de Hitler, os ciganos eram uma praga racial, a ser erradicada por meio da esterilização ou do extermínio. Produziu-se um holocausto cigano sob o regime nazista, com 600 mil mortos (MORAIS FILHO, p. 21, 2018).


Se as células neonazistas e o fascismo estão vivos e atuantes, hoje, de forma preconceituosa, xenófoba e violenta, conclui-se que é real a prudência científica quanto ao estudo das possibilidades desse instrumento tecnológico, presente nas nossas vidas, canalizar o ódio no seio da sociedade.



Marcilânia Alcântara, cigana Calon, Sousa, Paraiba, Brasil


A estética cigana


Os traços estéticos da cultura cigana é vista de norte a sul, de leste a oeste, através do seu falar, vestir, dançar, dos valores morais, gastronômicos e até comerciais. É fato que a identidade cigana, por si só, traduz o belo desse povo; concordância que tem respaldo na fala de Pina “ a unidade e concordância da essência humana historicamente concreta consigo mesma e com  natureza é a base objetiva do belo”. (PNA, p. 94, 2018). Diferente do conceito platônico de que o belo deve ser considerado quando causa uma catarse em quem o aprecia; o belo da cultura cigana, assim como de outras etnias, como a indígena, por exemplo,  o belo tem um peso semiótico para quem a conduz. Suas cores, seus figurinos, seus ritmos etc, são os signos que definem sua identidade. Então, a forma de se representar expressa na sua imagem exterior que, concomitantemente, traduz o seu conteúdo interior.

As cores fortes são marcantes na identidade cigana. Isso não é o suficiente para traçar um tratado sobre o belo na cultura cigana e, consequentemente, determinar parâmetros para esse conceito. Não obstante, há representação suficiente para dizer, à luz da estética, que há o belo na identidade cigana. Essa etnia tem na forma do vestir, por exemplo, uma imagem simbólica do que lhe é agradável porque traduz sua identidade. Como diz Álvaro Pina, no livro “O belo como categoria estética”, quanto à forma de representação simbólica cigana, “não agrada apenas o objeto, mas também a sua existência” (PINA, p.19, 1982).

O prazer de ser como, de fato, se é, determina a forma e o conteúdo, de fácil identificação, da concepção semiótica da cultura cigana. Essa representação histórica não surgiu a partir de um conceito, mas, de uma história milenar transmitida de gerações para gerações, sem um fator determinante, que não seja sua identidade cultural.


Grupo Artístico Cigano Calon, Sousa, Paraiba, Brasil


A literatura cigana


O estigma da forma de ser da etnia cigana sofre com interpretações preconceituosas que não condizem com a realidade desse povo. A literatura cigana é vasta; podemos citar, por exemplo, Cancioneiro dos Ciganos de Melo Morais Filho. A fortaleza da cultura dessa etnia é também representada através da literatura. A dissertação de mestrado Olhares Eurocêntricos: a figura do cigano nas narrativas da série O povo cigano no Brasil e das obras Memórias de um Sargento de Milícias e Tocaia Grande: a face obscura de autoria de Reginaldo Paulo Giassi, defendida no Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina, é um referencial de estudo acadêmico sobre o tema em pauta.

Na sua obra, Melo Morais Filho aborda as crenças nas coisas naturais, superstições, a forte relação com o amor e a dramaticidade da literatura cigana. Afirma que “A poesia amorosa, de concepções delicadas e ardentes, engrinaldada de rosas e jacintos, é para o calom um meteoro que luz a furto e desaparece rápido” (MORAIS FILHO, p.15, 2018).


O dia em que não sofro 

Eu penso que não sou eu; 

Que o meu eu se transformou 

Num outro que não é meu.

A morte, por ser desgraça, 

Não deixa de ser ventura, 

Pois corta pelas raízes 

Males que a vida não cura.


“Os versos seguintes, comovedores como o vagido dos enjeitados que levam à roda, é o soluçar pungente e agradecido do órfão, que caminha abraçado ao joelho da caridade” (MORAIS FILHO, p.15, 2018):

 

Perdi minha mãe carinhosa 

Que tanto me acarinhava! 

Que nos meus males aflita 

Chorava quando eu chorava! 


Para carpir sua falta 

A minha’alma prantos tem! 

Felícia, chora comigo, 

Era tua mãe também!

 

Quando perdi minha mãe 

Eu julguei de sucumbir, 

Agradeço a meu irmão, 

Deu-me forças pra sentir.

 

Dentre os poemas do “Cancioneiro dos Ciganos”, livro de Melo Morais Filho publicamos, do capítulo 4, Espécimes do Dialeto Calom, fragmentos que demonstram a arte da poesia desse povo, páginas 111 e 112.


De um filho ao pai 

No dialeto calom: 

Ó bato, tu merinhaste, 

Tão chinurrão eu fiquei. 

Manguella ao Duvel por mença 

Que por tuça eu manguinhei. 

Tradução livre: 

Ó meu pai, tu já morreste, 

Tão pequenino eu fiquei. 

Suplica por mim a Deus, 

Que eu por ti já supliquei.

No dialeto calom: 

Quem se cismar nachadon 

Não requerde cime dar 

Que o ron quidon requerdando 

Dinhão dabans a mardar.


Tradução livre: 

Quem conhecer-se infeliz 

Não fale, esteja calado; 

Que o infeliz quando fala 

Quase sempre é castigado. 

Tradução literal: 

Quem se conhecer desgraçado 

Não fale, tenha medo 

Que ao homem desgraçado falando 

Dão pancadas de matar.  


Epílogo

Há conclusão? Os estudos sobre Inteligência Artificial no contexto da cultura cigana continuará, assim como com outras etnias, foco da nossa pesquisa, porque é de responsabilidade da universidade brasileira pensar a sociedade como um ente coletivo que deve evoluir de forma progressiva respeitando todos os passos justos e igualitários da dignidade e das diferenças humanas. Portanto, neste momento, não há epílogo; há ganas para o debate e a disseminação da pesquisa.


Referências


Livros

GIASSI, Reginaldo Paulo. Olhares Eurocêntricos: a figura do cigano nas narrativas da série O povo cigano no Brasil e das obras Memórias de um Sargento de Milícias e Tocaia Grande: a face obscura. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2014.

Cancioneiro dos ciganos.

GRASSI, Ernesto. Arte como Antiarte: a teoria do belo no mundo antigo. São Paulo, Duas Cidade, 1975.

MORAIS FILHO, Melo. Cancioneiro dos Ciganos. Cadernos do Mundo Inteiro, Jundiaí,  2018.

PINA, Álvaro. O belo como categoria estética. Livros Horizonte, Lisboa, 1982. 


Páginas de internet

Com didatismo, "Coded Bias" é um "O Dilema das Redes" sobre falhas das IAs.Uol,2021. Disponível em:

https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/04/10/coded-bias-da-netflix-prova-como-a-tecnologia-e-racista-e-viola-direitos.htm. Acesso em: 05.set.2024.

DARTMOUTH. https://home.dartmouth.edu/, 2024. Inteligência artificial cunhada em Dartmouth. Disponível em https://250.dartmouth.edu/highlights/artificial-intelligence-ai-coined-dartmouth. Acesso em: 05.jan.2024.

Entenda o impacto da Inteligência Artificial na vida da população negra. Mundo Negro, 2024. Disponível em: https://mundonegro.inf.br/entenda-o-impacto-da-inteligencia-artificial-na-vida-da-populacao-negra/. Acesso em 05.jan.2024.

YOCHABELL, Camilla. A inteligência artificial ajuda, mas quando ela é preconceituosa? Brasil, 18 jul.2022. Linkedin: Cammila Y. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/intelig%C3%AAncia-artificial-ajuda-mas-quando-ela-%C3%A9-cammila-yochabell


terça-feira, 10 de outubro de 2023

Sociedade evoluída e leitura

 Sociedade evoluída e leitura


Eu, geralmente, só publico textos de minha autoria aqui no blog; hoje, vou abrir mais uma exceção para essa carta de Luiz Schwarcz, da editora Companhia das Letras, pela importância que tem o universo dos livros e da leitura. O contexto pós-moderno, o qual vivenciamos, fomenta a individualização do sujeito, ou seja, só se olha para o próprio umbigo, o que fragiliza a organização de classe e o coletivo enquanto conjunto social. Princípios como egoísmo, exclusão, desrespeito, preconceito, são valores que ficam evidentes, atualmente, nas sociedades ditas evoluídas.

Ao ler "Quarto de despejo: diário de uma favelada" de Carolina Maria de Jesus, "A origem dos outros de Toni Morrison, meu livro "A família Canuto e a luta camponesa na Amazônia", meus textos teatrais, também publicados em livros e autores como: Stuart Hall, Michel Foucault, Umberto Eco, Jurgen Habermas, Frederic Jameson, Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, entre muitos teóricos, vejo que uma sociedade dita desenvolvida precisa resgatar valores e princípios determinantes para o equilíbrio e a justiça social; nesse sentido, ler é o passo mais indicado para que possamos denominar uma sociedade como sendo evoluída nesse século XXI.
 

CARTA ABERTA DE AMOR AOS LIVROS,

do criador da maior editora do Brasil, a Companhia das Letras
O livro no Brasil vive seus dias mais difíceis. Nas últimas semanas, as duas principais cadeias de lojas do país entraram em recuperação judicial, deixando um passivo enorme de pagamentos em suspenso. Mesmo com medidas sérias de gestão, elas podem ter dificuldades consideráveis de solução a médio prazo. O efeito cascata dessa crise é ainda incalculável, mas já assustador. O que acontece por aqui vai na maré contrária do mundo. Ninguém mais precisa salvar os livros de seu apocalipse, como se pensava em passado recente. O livro é a única mídia que resistiu globalmente a um processo de disrupção grave. Mas no Brasil de hoje a história é outra. Muitas cidades brasileiras ficarão sem livrarias e as editoras terão dificuldades de escoar seus livros e de fazer frente a um significativo prejuízo acumulado.
As editoras já vêm diminuindo o número de livros lançados, deixando autores de venda mais lenta fora de seus planos imediatos, demitindo funcionários em todas as áreas. Com a recuperação judicial da Cultura e da Saraiva, dezenas de lojas foram fechadas, centenas de livreiros foram despedidos, e as editoras ficaram sem 40% ou mais dos seus recebimentos— gerando um rombo que oferece riscos graves para o mercado editorial no Brasil.
Na Companhia das Letras sentimos tudo isto na pele, já que as maiores editoras são, naturalmente, as grandes credoras das livrarias, e, nesse sentido, foram muito prejudicadas financeiramente. Mas temos como superar a crise: os sócios dessas editoras têm capacidade financeira pessoal de investir em suas empresas, e muitos de nós não só queremos salvar nossos empreendimentos como somos também idealistas e, mais que tudo, guardamos profundo senso de proteção para com nossos autores e leitores.
Passei por um dos piores momentos da minha vida pessoal e profissional quando, pela primeira vez em 32 anos, tive que demitir seis funcionários que faziam parte da Companhia há tempos e contribuíam com sua energia para o que construímos no nosso dia a dia.
Luiz Schwarcz
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