Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Formação de professor e qualidade da educação

 Formação de professor e qualidade da educação
Carlos Cartaxo
É importante termos consciência de que a educação deve ser determinada por uma política de Estado. Muitos veem a educação como uma política de governo. Esse raciocínio é um equívoco porque é determinístico para o debate em pauta. Governos saem, governos entram; já o Estado permanece com suas responsabilidades políticas e administrativas. Considerando o conceito acima podemos afirmar que formação é uma questão de política de Estado cuja aplicação necessita de uma ação de governo. 

Então o governo que cumpri uma policia de Estado de investir em educação, tendo como um dos pilares a formação do professor, está gerindo essa área com a responsabilidade devida que todo país merece. Pois bem, no momento estamos diante de uma quadro pouco favorável a esse raciocínio. O governo Federal do Brasil acabou de aprovar o projeto de Lei do Ensino Médio que cria a figura do professor notório saber. Na verdade essa “figura” foi tirada do fundo do baú onde já havia sido “esquecida” devido seu papel pouco construtivo para a qualidade na educação.
O professor notório saber fazia sentido quando a sociedade não tinha profissionais qualificados pedagogicamente para ministrarem certas áreas do conhecimento. Todavia, hoje com inúmeras licenciaturas, não faz sentido colocar em sala de aula quem não tem formação pedagógica para tal. Na prática significa dizer que o engenheiro, da prefeitura ou da construtora, pode dar aula de matemática ou física. A enfermeira, do posto de saúde, pode ministrar biologia e ciências. O padre pode ministrar línguas e português. O organizador de casamentos e festas infantis pode dar aula de artes, etc. Essa lógica de adoção do professor notório saber é um retrocesso; é perversa no que concerne a busca de qualidade na educação para nossos filhos e para todos os discentes independentemente de classe social. É claro que não está em tela a competência de conteúdo do engenheiro, da enfermeira, do padre, muito menos do ornamentador. O que está em jogo é a formação pedagógica do profissional que assume o papel de professor.
Esses profissionais não licenciados, certamente, não conhecem, com propriedade e com vivências didáticas as tendências pedagógicas. Quem assume a tarefa de educador precisa conhecer as principais tendências, ou seja, Tradicional, Escola Nova, Tecnicista, Libertadora, Crítico-social dos conteúdos, Piagetiana, Construtivista e Construcionista. Sem conhecimento, como vão proceder em sala de aula? Que instrumentos e recursos pedagógicos utilizarão nas aulas? Essas questão aparentam simplicidade, todavia, no fundo, são de uma complexidade significativa porque a propensão é que o profissional docente não qualificado trabalhe com a tendência tradicional, que é uma proposta de educação centrada no professor, cujo procedimento pedagógico se resume em ações de vigiar os alunos, aconselhá-los, ensinar a matéria de forma reprodutiva e corrigi-la de forma que a verdade seja unilateral.
Sem conhecimento pedagógico, o professor, na maioria dos casos, não implementa uma relação de ensino-aprendizagem construtiva e dialógica. A relação não é flexível, mas instável, despontando insegurança em quem ensina e em quem aprende. O laço pedagógico constituído, nesse caso, tem como base o amor líquido (BAUMAN, 2004) que se exaure com uma rapidez estonteante, imprevisível, confuso e complexo.
O tema Formação de professor e qualidade da educação faz parte de um contexto que foi diretamente afetado pela Medida Provisória, MP, Nº 746/2016  da contrarreforma do Ensino Médio, no Brasil. Ela altera a Lei 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional quanto ao termo Notório Saber. Essa MP resgata a figura do professor notório saber, que é aquele não precisa ter graduação, nem formação pedagógica para ensinar. No artigo 1, no item IV, da Medida Provisória, lê-se: “IV – profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do artigo 36” que diz: “Art. 36.  O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: I – linguagens; II – matemática; III – ciências da natureza; IV – ciências humanas; e no que concerne a formação de professor diz: V – formação técnica e profissional.” Portanto, cada sistema de ensino poderá reconhecer diferentes profissionais para ministrarem os conteúdos referentes à área técnica e profissional, sem exigência de uma formação em licenciatura, por exemplo.
 Se contrapondo a referida Medida Provisória, fortaleço a ideia de que a formação do professor deve ser constituída de duas fases. A primeira a formação inicial que se dá na licenciatura; e a segunda, continuada, que se dá quando do exercício da profissão. A sustentação que dá suporte a qualidade do ensino, no que concerne a formação do professor, é a formação continuada. Contudo se o professor é notório saber e não tem uma formação pedagógica inicial, para ministrar aulas, como se dará a formação continuada. Com esforço esse professor tentará acompanhar o debate pedagógico acerta dos avanços metodológicos da disciplina e dos conteúdos que ministra, todavia na realidade é um professor, notório saber, fora do contexto pedagógico e tentando trabalhar com procedimentos tradicionais que se chocam com a realidade pós-moderna em que estamos inseridos.
Todo professor deve conhecer a evolução do pensamento da criança para poder diagnosticar a fase evolutiva da aprendizagem em que o discente se encontra. Essa é uma condição necessária para se ter na sala de aula uma aprendizagem que seja prazerosa e motivadora. Isso significa dizer que o profissional que não tem formação pedagógica encontrará em sala situações que ele não tem formação para administrar. Nesse caso será instituída uma relação de poder onde a razão estará sempre com o professor e o aluno se torna um sujeito invisível no processo de ensino-aprendizagem.
A qualidade na educação está diretamente ligada a formação de professor. Essa é uma relação que exige decisões políticas que devem ser consolidadas e elaboradas a partir da determinação de relações de poder, realidade que tem sido constituída por políticas pedagógicas equivocadas e, concretamente, falta de políticas de Estado para uma educação voltada a equidade do saber. Por ilação, é um equivoco incomensurável o retorno do professor notório saber à sala de aula porque é a volta de uma educação opressora, conservadora, indo na contramão da educação que faz do aluno um sujeito ativo e participativo no processo de ensino-aprendizagem.

Referências
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre as fragilidades dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa: Ed. CCTA, 2015.
______O ensino das artes cênicas na escola fundamental e média. João Pessoa: edição do autor, 2001.
FOUCAULT, Michel. A Arqueología do saber. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
GOERGEN, Pedro. Pós-modernidade, ética e educação. Campinas: Autores Associados, 2001.
GOODSON, Ivor F. Historias de vida del profesorado. Barcelona: Octaedro, 2004
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

http://appprova.com.br/2016/09/29/notorio-saber-verdades-e-mitos/