Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

terça-feira, 2 de maio de 2017

O contraditório do tecnicismo no ensino da arte

O contraditório do tecnicismo no ensino da arte
CC



Eu iniciei minha trajetória como diretor teatral, em 1982, no espetáculo infantil “Vamos brincar de Circo”, texto de Francisco Medeiros. Essa montagem me introduziu no universo da educação e da cultura como pesquisador. De lá, início da década de 80, século XX, a segunda década do século XXI, dirigi alguns espetáculos alguns espetáculos teatrais tendo como fundamento a técnica circense. Elaborei três personagens de palhaço. O primeiro, Ventania, criei para a peça teatral “O palhaço e o rei”, texto de Marcos Pequeno; o segundo, Beroaldo para solos cênicos; e Mimoso, para animação e apresentações artísticas. Essa experiência com o universo lúdico infantil, na sua magnitude, se deu através do Grupo de Teatro suspensório Produções Artísticas, em Parahyba, capital do estado da Paraíba.
Fruto dessas vivências e de uma especialização em Ensino Superior na Universidade da Amazônia, UNAMA, em Belém do Pará, nasceu o livro “O ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média”. Nesse trabalho há um capítulo sobre circo onde abordo a gênese dessa expressão artística: sua origem, as companhias circenses, a dramaturgia circense, o artista circense, o palhaço, o circo no contexto do modernismo, e o circo, enquanto conteúdo, na escola. Introduzo também  processos metodológicos no ensino do circo na escola, momento em que demonstro caminhos metodológicos através de atividades como: vamos brincar de circo, que são atividades que podem ser desenvolvidas em todas as séries do ensino básico; brinca de malabarista; brincar de cambalhotas, exercícios individuais, de dupla e de trio; parada de mãos; parada de mãos e cabeça; pirâmide de virilha; equilíbrio no rola-rola; perna-de-pau; o domador e seus “animais amestrados”; e números de palhaço. Esses exercícios são ilustrados, o que facilita o planejamento e execução para cada série.
Quando escrevi o livro “O ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média” já tinha a arte híbrida como foco do meu trabalho. Á época ainda não tinha um embasamento teórico que certificasse o trabalho como híbrido; todavia, podemos reconhecer que essa tendência rizomática para a arte na escola tem fundamento porque compreendo a arte como uma experiência humana que se dá em rede, de forma diversa e concomitante. Essa é uma questão plural, nunca específica com base tecnicista, que é abordada pela ótica pedagógica. O seu conteúdo se dá de forma inter ou transdisciplinar, seja na educação formal ou informal. Essa concepção se choca com a proposta dos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais que vieram depois da LDB 9394/96. Esses PCNs alteraram o ensino de arte; destituiu o ensino das artes cênicas, para garantir o ensino do teatro e da dança, além da música e das artes visuais.
Em 20 de abril de 2017, vi o espetáculo “Estações” da Escola Livre de Circo Djalma Burahêm, na Escola Piolin, em Parahyba. A luz e a trilha sonora complementam a plasticidade do espetáculo. A base técnica do trabalho é a arte circense, mas há concomitância com a dança e o teatro. A cada cena, durante a apresentação, eu me perguntava: como o circo pode estar, como conteúdo, fora do ensino de arte na educação formal? É um exemplo do estreitamento do conteúdo do ensino de arte na escola brasileira. Se o professor quiser trabalhar esse conteúdo tem que inserir na disciplina de teatro. A mesma questão de cerceamento do circo se dá também com a performance e outros conteúdos do universo da arte.
Essa tendência de fatiar o ensino de arte em apenas quatro áreas da expressão humana é uma concepção tradicional, tecnicista, que foi apresentada ao mundo no final do século XIX,  início do século XX, por Frederick W. Taylor. A proposta de fracionamento do trabalho, reduzindo a habilidade do trabalhador a apenas uma ação dentro do sistema de produção, foi apresentada nos Estados Unidos da Américas. Taylor criou a figura do especialista. Em seguida essa técnica foi adotada por Henry Ford, nas suas fábricas de automóveis, com o fim de racionalizar o sistema de produção. O objetivo era limitar o saber do operário sobre seu próprio trabalho e controlar o conhecimento deste sobre suas atividades profissionais. O operário deveria ter apenas uma habilidade técnica. Daí nasceu o domínio limitado do saber profissional. O operário tinha que saber tudo sobre sua atividade, mas não precisa, em muitos casos, não deveria, saber nada sobre a operação seguinte ou anterior a sua.
No final do século XX essa ideia chegou ao ensino de arte no Brasil e continua até hoje. O professor, formado em teatro, que trabalhar  com artes visuais ou seja fotografia, elaboração de cartaz, pintura de moral ou cenário, confecção de bonecos, corre o risco de ficar em uma situação delicada. É um forte candidato a ir à forca. Podem ser excomungados da “igreja” dos tecnicistas e especifistas do trabalho. O professor de música que ousar dirigir um musical com seus alunos, uma performance ou uma coreografia para o coral da turma, também pode ser julgado pelo tribunal da inquisição do universo professoral da arte. A habilidade de múltiplos saberes é confundida com polivalência na educação. Essa resistência a pluralidade de saber conduz à departamentalização do ensino da arte, o que termina excluindo áreas do conhecimento artístico do currículo na escola formal. Inúmeras experiências na educação informal, principalmente, no terceiro setor, tem demonstrado a eficiência pedagógica de se trabalhar com conteúdos oriundos da arte híbrida. O Itaú cultural é um bom exemplo. “Em Cena Sonora” foi  série da Rádio Itaú Cultural, criado pelo curador Ricardo Carioba, com programas experimentais que misturam artes cênicas com peças de áudio, voltados para artistas de formação variadas - músicos, bailarinos, atores, diretores, poetas, coreógrafos. É a produção de uma paisagem sonora que possibilite diálogos com a dança ou com a expressão teatral. É a convergência da arte e da comunicação no processo de aprendizagem. Os resultados foram quatro programas que, por diferentes abordagens, sugerem imagens, movimentos e encenações que você ouve ou pode baixar para ouvir onde quiser através da página do Itaú Cultural que fez o seguinte chamado:
Rádio, dança e teatro: dá para misturar? Esse foi o desafio que lançamos a artistas de várias origens − músicos, bailarinos, atores, diretores, poetas e coreógrafos. O resultado é Em Cena Sonora, nova série da Rádio Itaú Cultural, com programas experimentais que misturam artes cênicas com peças sonoras.
Com diferentes abordagens, os quatro programas sugerem imagens, movimentos e encenações que você ouve ou baixa para ouvir onde quiser. Confira! (ITAÚ CULTURAL).
Outros centros de pesquisas, pelo mundo, estão caminhando na perspectiva de trabalhar a arte híbrida pela ótica pedagógica transdisciplinar. Lembro que de 3 a 5 setembro de 2009 o Colégio das principais universidades da Catalúnia, Espanha, realizou O III Congreso de Educación de las Artes Visuales, com o tema: Por um diálogo entre as artes.  Então, parece evidente que as expressões artísticas e a comunicação estão em uma reta de sintonia no sentido de ver e rever conteúdos e metodologias nas áreas em questão.
Essa abordagem não é nova, é secular; “o projeto da modernidade instituiu a especialização e criou um superespecialista” (COELHO, 1995, p. 106), o tecnocrata, o “gênio” de uma única área do conhecimento, o exímio conhecedor de uma única coisa, o deus da sabedoria. Ela limita possibilidades de vivências transdisciplinares, por esse motivo está sujeita a críticas, principalmente quando nos reportamos a uma compreensão rizomática do conhecimento.
Então, diante da pluralidade representativa do universo da arte, nesse início de século XXI, acredito que passou da hora de pesquisadore(a)s da área em questão, pensarem sobre a perspectiva de que a dicotomia entre teoria e prática no ensino de arte, leituras e vivências, merecem uma análise aprofundada que não seja aquela da departamentalização do conhecimento sobre o estudar e o experimentar arte.

Referências
CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa: Ed CCTA, 2015.
______ O ensino das Artes Cênicas na escola fundamental e média. João Pessoa: Edição do autor, 2001.
COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno. São Paulo: Iluminuras, 1995.
LINHART. Robert. Lenin, os camponeses, Taylor. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
SANTAELLA, Lucia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2007.

http://www.itaucultural.org.br/bcodeaudio2/64458_64459.mp3


 Fotos: Sheyla Targino

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